segunda-feira, 24 de maio de 2010

* Direto da edição # 356

NOVO ENEM: MAIS UM PASSO EM DIREÇÃO À INCLUSÃO SOCIAL

Quem tem o hábito de ler o jornal todos os dias, se deparou com uma manchete impactante no Estado de Minas do dia 18/05/2010. O vestibular para o curso de Medicina da UFOP tem nada mais nada menos que 233 candidatos por vaga. A matéria, contudo, não dá profundidade ao tema: pergunta aos candidatos o que pensam de tamanha concorrência, mas não pesquisam a causa da situação.

Uma constatação omitida pelo jornal pode ajudar a entender o fenômeno! Assim como a UFMG, pela primeira vez o ENEM será usado como primeira etapa do Vestibular da UFOP. Daí a concorrência, que no ano passado era de 158 candidatos por vaga, ter subido tanto. O segundo curso mais concorrido, Direito, passou de 24 para 37.

O que esses números nos dizem? Duas coisas basicamente. Primeiro que, mesmo com os importantes avanços do Reuni, o ensino superior brasileiro continua a ser um dos mais excludentes do mundo, deixando a imensa parcela da população de fora. Segundo, nos informa que, com a adoção do ENEM, mais pessoas começam a sonhar em entrar na universidade!

O fenômeno observado na UFOP está de acordo com o que foi verificado em outras universidades. Neste sentido, comprova o caráter inclusivo do ENEM. Em certa medida porque, ao contrário do Vestibular, a inscrição para estudante de escola pública é gratuita, o que faz com que muitos decidam ver como se saem no exame. Talvez não sejam aprovados, mas tenham um resultado que os motivem a tentar novamente, coisa que antes nem cogitavam. O caráter inclusivo também é resultado do tipo de prova. Mais pautado no raciocínio do que na memorização, possibilita que estudantes oriundos de escolas menos qualificadas se tornem mais competitivos. Afinal, a prova pautada na decoreba só ajuda os estudantes que tem mais tempo para ler e reler o conteúdo sucessivas vezes ou aqueles que têm professores especializados em técnicas para meter o conteúdo na memória do aluno.

O ENEM tem outros ganhos. O estudante faz a prova na sua cidade de origem, de forma que os mais pobres não terão gasto com deslocamento. E quando o sistema estiver completamente implementado, o candidato poderá concorrer em até cinco universidades ao mesmo tempo. Isso significa aumentar a taxa de mobilidade estudantil no Brasil, que hoje é de 4% apenas. Para se ter ideia, nos EUA, essa taxa é superior a 30%. Claro que vai demandar também esforço do Governo Federal para garantir mais assistência estudantil e essa deverá ser uma luta travada pelos estudantes. De todo jeito, contribui para que o Brasil deixe de ser estereotipado como o país cuja migração é majoritariamente do nordestino desempregado para o sudeste. A mobilidade estudantil reforça o sentindo federativo do país, fazendo com que o conhecimento viaje pelos estados, em variados sentidos e destinos.

Não vou entrar em outras minúcias, até porque são muitas. Cumpre apenas levantar uma importante questão: a quem interessaria a não adesão da UFMG ao novo ENEM? No dia em que o Conselho Universitário avaliou a questão, estudantes de escolas públicas, mobilizados pela UCMG e apoiados pelo DCE, entregaram uma carta aos conselheiros defendendo a adesão. As palavras contidas no documento sensibilizaram os presentes e a proposta do Reitor Clélio Campolina, na qual o ENEM substituiria apenas 50% da nota da primeira etapa, foi vencida pela proposta dos estudantes, que clamava por 100%. Dias depois, uma manifestação composta majoritariamente por estudantes de cursinhos particulares como Bernoulli, Elite e Unimaster se dirigiu à Reitoria para protestar contra a medida.

O novo ENEM na UFMG não é resultado de um ditame político. É uma grande vitória dos estudantes de escolas públicas que, mesmo depois do CEPE ter rejeitado a adesão, não desanimaram e foram ao Conselho Universitário para convencer os conselheiros a rever a posição. E aos vestibulandos que alegam que se preparavam para uma prova diferente, não se preocupem: o novo ENEM não vai lhes cobrar conteúdos que não esperavam. Apenas vai tentar descobrir quais candidatos conseguem raciocinar além desse conteúdo!

Descontentes sempre irão existir diante de propostas que alterem a estrutura elitista da universidade pública brasileira. Foi assim com a política de cotas e bônus, foi assim com o Reuni e agora novamente é assim com o Novo ENEM. Estamos superando o Vestibular, que sempre foi uma forma descarada de reserva de vagas para a elite do país. Mais uma vez, como na política de bônus, o conservadorismo faz com que a UFMG seja a última universidade pública a aderir. Mas felizmente, o contexto histórico empurrou a nossa universidade para o futuro! Mais que isso: colocou-a como responsável pela construção do futuro! Porque não basta esperar tudo se ajeitar para então aderir ao ENEM. É fundamental que a UFMG, com todo seu conhecimento e experiência, participe e vivencie o processo de construção o novo ENEM, sugerindo melhoras e adequações ano a ano.

Léo Rodrigues