quinta-feira, 17 de abril de 2008

Vai aí um texto sobre o caso do IGC e a Ocupação

Classe e privilégios no caso do IGC ou

A inércia do movimento estudantil[1]

Lucas “Barrão” Pereira, História – fat_lucas@yahoo.com.br

Marco “Malebria” Silva, Filosofia – malebria@riseup.net

8/4/2008

Assim, o sistema escolar pode, por sua lógica própria, servir à perpetuação

dos privilégios culturais sem que os privilégios tenham que se servir dele.

Conferindo às desigualdades culturais uma sanção formalmente conforme aos

ideais democráticos, ele fornece a melhor justificativa para essas desigualdades.[2]

O movimento estudantil está muitas vezes mais preocupado em conseguir privilégios para a classe dos estudantes do que em fazer uma discussão sobre mudanças políticas benéficas para a sociedade como um todo. Apesar de alguns pontos levantados pelo movimento surgido após o caso do IGC serem razoáveis, como a crítica à proibição da exibição do filme e à forma como a Polícia Militar agiu, a proposta do fim do convênio da UFMG com a PM nos parece bastante mesquinha.

Não entraremos no mérito da situação legal que estabelece que a Polícia Militar não pode entrar em uma Universidade Federal, pois o que nos interessa são os motivos que levam os estudantes a não quererem esse convênio. A exigência, por parte do movimento, de que a polícia não deve atuar dentro da UFMG evidencia o desejo de manutenção da posição privilegiada que os estudantes universitários têm com relação ao resto da população. Esse desejo parece estar presente também nos professores que, ao apoiarem essa reivindicação, querem manter também o seu lugar. O estabelecimento de um local sem polícia aumenta ainda mais a diferenciação entre a realidade interna e externa ao campus. Isso mantém a superioridade associada à academia, além de fazer com que as pessoas das comunidades ao redor se identifiquem menos com o local e que o estudante não sinta na pele o que é passar pelas situações que os não-estudantes passam. Na medida em que os universitários não sofrem as arbitrariedades policiais, por serem de um grupo privilegiado, eles perdem a motivação para qualquer tipo de movimentação contra elas. Essa luta deixa de ser uma luta deles, e se torna uma questão completamente alheia ao movimento estudantil.

A política do movimento estudantil é egoísta e não menos autoritária que as políticas que ataca. Ao impedir jornalistas de entrarem na ocupação da Reitoria (07/04/2008), acabaram por cometer um ato contraditório. Os estudantes conquistaram seu direito de ir e vir, de circular no espaço público – neste caso o simples direito de utilizar o espaço público da reitoria – negando-o a outros. Ora, na verdade, o que muitos estudantes não percebem é que, apesar de se revestirem por causas ditas sociais, estão lutando realmente para obter ou manter um nível de capital cultural elitizado, e que diz respeito somente ao seu intestino.

Se o movimento estivesse interessado em uma melhoria social, e não apenas na classe, se manifestaria contra a forma violenta com que a PM agiu, e não contra a presença dela no campus; lutaria para que a polícia não agisse assim em lugar nenhum: da forma como a coisa foi colocada, os estudantes estão tentando apenas proteger o seu lado visando garantir que isso não aconteça mais com nenhum estudante. Se for acontecer com um não-estudante, não importa tanto. É difícil ignorar que impedir a entrada da polícia no campus da universidade seja um mecanismo que a mantenha afastada, protegida e em um local extremamente privilegiado na sociedade.

Esse tipo de atitude classista pode ser constatada em outras ações do movimento, como o pedido de meio-passe ou passe-livre e na meia-entrada em espetáculos. Apesar de termos mais contato com o movimento estudantil, parece-nos que essa é uma realidade de todos os movimentos de classe. E, se for mesmo abertamente assim, repudiamos qualquer movimento classista que busque privilégios, assim como repudiamos essas ações do movimento estudantil.

Se realmente “polícia for para bandidos”, estamos ainda vivendo uma inércia cultural – que entendemos por uma vontade de ascender socialmente através de uma valorização da cultura letrada, cinematográfica, teatral, ou melhor, elitista, autoritária, diferenciadora.



[1] Este texto está no domínio público.

[2] PIERRE BOURDIEU. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: MARIA ALICE NOGUEIRA e AFRÂNIO CATANI. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 59.

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